quarta-feira, 27 de julho de 2011

Eu e o Louco


Minha rua sempre foi um lugar muito tranquilo.
Sempre deserta e sem muita movimentação.
É raro ver os vizinhos... A maioria vive em seus castelos de tijolo e reboco cercados de orgulho e medo por todos os lados.
Confesso: Não sou tão diferente.
Eu também sou pouco sociável (o que me poupa algumas cenas de banhos de borracha ouvindo pagode na laje e similares)
Já ocorreram alguns assaltos mas tudo rapidamente virou mito.
Meus momentos de emoção na minha rua se restringem a brincadeiras na infância, alguns momentos com amigos na adolescência e isso: http://motifrito.blogspot.com/2010/11/um-ovo-nada-pessoal.html

E foi quando hoje de manhã eu me preparava para mais uma quarta-feira...
Tinha acabado de sair de casa e o ví. No momento em que desci para fechar o portão.

Um senhor que deveria ter seus 50 anos.
Barba para fazer.
Extremamente sujo.
Usando apenas um short todo rasgado.

Ele subia a rua perpendicular que terminava praticamente na frente pra minha casa.
Ao me ver ele parou e me olhou profundamente.

Ambos estáticos.
Eu não entendia aquela cena. Era cedo demais para pensar em algo racional diante de uma cena tão inesperada.
Ele... aflito, amedrontado, inseguro, e sofrendo... muito.

Eu realmente não sabia o que fazer.
Ele parecia uma ave que pousara em um muro desconhecido e que espera apenas um movimento brusco para voar para bem longe.

Tentei expressar calma e compreensão.
Ele permanecia me olhando fixamente.
Foi como se... ao me olhar... ele conseguisse transmitir toda a dor que ele sentia sem dizer uma única palavra.

"O senhor está bem?" disse num tom de preocupação.
Que pergunta idiota, eu pensei. É claro que alguém que está as 7h da manhã de uma quarta-feira seminu não pode estar bem.

Ele então caminhou e passou por mim o mais longe que a largura da rua permitia e continuou seu caminho.

Eu moro naquela casa há pelo menos 18 anos e nunca o ví antes.

Embora tivesse um olhar perdido, ele parecia saber muito bem para onde ia.

Pensei tanta coisa... pensamentos esses que me tomam até agora e que tenho a plena certeza que não vão me deixar tão cedo:

Em nenhum momento ele pareceu querer ajuda.

Muito pelo contrário... ele apenas tinha receio que eu fizesse algum mal a ele e vendo que não faria, ele seguiu seu caminho naturalmente.

Estaria ele num nível tão insconsciente... seja por drogas, alcool ou loucura a ponto de não perceber que ele precisa de ajuda?

O fato dele estar em uma situação tão deplorável significa mesmo algo realmente ruim?

Seria esse adjetivo "deplorável" uma extenção do nosso preconceito?

Quem sou eu pra saber o que alguém precisa ou sente?

E por mais absurdo que pareça, ele não demonstrou qualquer expressão de desconforto ao andar, ao agir... de alguma forma que não sei explicar... seu passos tinham liberdade.
Uma liberdade que não tenho.

Tão pouco ví nele as amarras sociais que nos prendem e nos fazem ser o que somos cobrados a ser. seja por vontade de ser aceito ou pela busca insaciável por simpatia.

A verdade é que não sei se toda aquela dor, angústia e aflição eram realmente dele ou reflexos de mim.

no fim das contas... Seria... ele... o louco?

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